Superando o preconceito

“Meio cega”, Foi o termo utilizado estes dias por uma pessoa ao falar sobre mim com o Alex.. Confesso que o termo nos pegou desprevenidos, nos olhamos, não sabíamos se ríamos, se ignorávamos a expressão, ou brincávamos com a situação. Talvez a falta de maturidade, a falta de delicadeza, ou quem sabe uma pontada de preconceito causou um avolumado de sentimentos contraditórios dentro de mim. Não que eu ainda não esteja acostumada com olhares curiosos, com diversas expressões e perguntas indiscretas... mas vamos combinar, as vezes falta mesmo o bom senso. Recordei-me de quando pequena, as muitas perguntas, olhares e curiosidades das crianças na escola. Perguntas inocentes, curiosidades admissíveis perante o “diferente”. E de verdade, desde pequena nunca me ofendi com perguntas, com curiosidades, nunca me importei em explicar sobre como é não enxergar, nunca enxerguei a deficiência visual como um claustro que isola, que esconde ou omite. Como toda criança, corri, pulei, brinquei, andei de bicicleta, acreditem! Como toda criança caí, ralei os joelhos, até dente quebrei! Mas fui criança, com todos os limites, fantasias, travessuras, direitos e deveres provenientes da infância. Cresci compreendendo que tenho sim uma deficiência visual, e ela até pode ser característica determinante para algumas pessoas me definirem, tipo aquela história bem conhecida: a gordinha, a magrela, a negra, a de cadeira de rodas, a surda, a muda, a ceguinha, ou “meio cega”... Porém, para mim a deficiência visual náo é a minha característica marcante, aliás, as vezes nem lembro que a tenho! Antes de ter uma deficiência visual, tenho uma alma, tenho sentimentos, tenho capacidades que adquiri ao longo da vida, tenho dons e virtudes que Deus me agraciou segundo a sua infinita misericórdia. Tenho sonhos que vão muito além do que os olhos podem ver... Antes de ser uma deficiente visual, sou humana! E justamente por isso não deixo de aproveitar a vida, de me dedicar a tudo o que gosto e a todos os que amo. Não me incomodo em falar sobre minhas dificuldades e limitações, afinal, elas podem não ser iguais a de todos os humanos que “enxergam”, mas são reais. Não me envergonho em pedir ajuda quando preciso, em lutar contra o preconceito, em defender meus direitos, em levantar a bandeira a favor da inclusão. E nessa travessia por entre caminhos e descaminhos, vou descobrindo aos poucos que posso errar como todo mundo, posso perder como todo mundo, posso ganhar, posso fracassar como todos podem, posso me adaptar a tudo, posso ser julgada, amada, admirada, posso ser alvo de pena, posso despertar curiosidade, posso instigar, inspirar, posso ser feliz! E quanto a nossa reação... deixa pra lá! Existem momentos e situações que além de “meio cega”, é melhor se passar por surda. A vida pode até não ser muito fácil sem enxergar, mas é bem mais leve e feliz quando não se dá importância a tudo o que se ouve... Simone Contelli